Crônicas do Isolamento -- Da cumplicidade que vem dos pares...

Viver com uma ameaça pelo caminho que é invisível aos olhos mas agressiva a ponto de tirar a vida de uma pessoa, é aflito. Apesar de poder ficar em casa quietinha, me protegendo e me cuidando, o assunto - e o vírus - estão por aí, ainda sem previsão de data para ir embora (#vazacorona!).

Tento manter a minha positividade e isso me faz um bem danado (daí, inclusive, a decisão por não acompanhar as notícias a tempo e a hora). Mas vez ou outra chega a informação de um caso de alguém que é próximo ou conhecido de amigos, familiares...
E aí tem horas que a gente balança. Haja resiliência e calma para seguir no prumo!

Há alguns dias soube do caso de uma amiga dessa vida doce com diagnóstico de covid-19 confirmado. Confesso que me assustei! Fiquei meio travada na notícia, depois de ler o depoimento dela sobre os sintomas, a internação e o tratamento.
A única coisa que me vinha na cabeça era "risco". O tal do grupo de risco.
Nós somos desse grupo. Esaa é a verdade e ponto.

Calma.
Respira.
Não pira.
Reza (cada um na sua).
Aguarda.

Ontem de manhã falei com ela.
E pronto! Quanta força, mesmo de longe.
Ainda internada, mas melhor (bem melhor!!).
Que alívio e que alento.
E lá vem a esperança de volta...
Dela, que está firme e superando esse monstrinho que a gente não enxerga a olho nu; da equipe que cuida dela, pela dedicação e carinho com que prezam pela vida - de tantos!! - diariamente; e dessa comunidade de gente que tem na cumplicidade de um diagnóstico o reconhecimento pela dor do outro.

Quando me vi diabética, mergulhei de cabeça em informação.
Perguntas para a minha super endócrino, livros, eventos, palestras para pacientes e, claro, amigos!
Eu, que não conhecia ninguém com diabetes tipo 1 até então, me vi cercada por iguais. Essa gente que entente de primeira o que é uma hipo, como funciona a cabeça numa hipo da madrugada naquele ataque geral à geladeira, que sabe de bôlus, sabe o que é basal, sabe contar (ou chutar a contagem!! quem nunca?!) de carboidratos...
Mesmo que a gente não converse diariamente, mesmo que a gente não se encontre com tanta frequencia, mesmo que a gente não divida o dia a dia ou nem more na mesma cidade, a comunidade segue ali, firme e forte, uns pelos outros.

Esse sentimento todo me levou para o conceito do "peer educator", que na prática quer dizer 'educador em par'. Ouvi falar sobre isso no Congresso da IDF, em 2013.
A Federação Internacional de Diabetes reconhece a figura do peer educator como parte da força para desenvolver pacientes cada vez mais 'donos' da sua condição.

O peer é justamente aquele que ajuda, que vai à outro paciente, porém dividindo unicamente sua própria vivência, suas maneiras de ultrapassar os obstáculos, seu entendimento sobre o dia a dia tendo que gerenciar insulinas e glicemias e alimentos e exercícios e todas as outras atividades rotineiras.

Em tese, são pessoas com diabetes que tem um entendimento (olha a cumplicidade aí) do que as outras pessoas com diabetes com quem convivem passam.
São pessoas que não falam por teoria, falam por experiência.
Não falam pelo que foi estudado, fala pelo que ele vivem!

Acho que essa grande comunidade de pessoas com diabetes que eu conheci e me tornei amiga funciona assim.
Não importa se nós conhecemos apenas virtualmente, se já nos abraçamos, se são conhecidos, se são referências de postagens... O que importa é que, sem ocupar o lugar do médico e dos profissionais de saúde, claro, cada um de nós segue fazendo o seu papel de estar disponível e de mãos estendidas para o outro.

Quando a Roberta colocou a vulnerabilidade dela nas redes, contando da sua luta para vencer esse vírus tão grande, ela foi amiga, parceira, cúmplice e uma baita educadora em par! Obrigada, Beta, por compartilhar e educar com a sua angústia e, principalmente, com a sua esperança.


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