Crônicas do Isolamento -- O Bem do Mar

A minha quarentena tem sido com tudo a que se propõe: isolamento, sem contato social, sem aglomeração, sem saidinhas para resolver o que quer que seja. Dou sorte - e agradeço! - por trabalhar em uma empresa que instituiu o home office mesmo antes disso ser regra de prevenção, por ter mercados próximos que funcionam bem no esquema de entregas e, ainda, celebro a alegria de não estar passando por essa loucura sozinha.

Me apavora não termos uma governabilidade decente e que preze pelo ser humano. Nem políticas públicas de saúde, nem sociais.

Juntando todos esses fatos ao de que faço parte do grupo de risco pela doçura do diabetes tipo 1 que me acompanha, fico isolada enquanto posso. 

Quatro meses e dez dias após o início dessa quarentena, depois de muita conversa, de discussão de processos, de planejar horários, definir local e organizar a família, decidimos ir à praia.
Cedinho e tomando todos os cuidados, fomos até a Reserva. Em mãos, só o necessário. Água, lanchinhos, brinquedos para as pequenas, protetor solar, insulina e glicosímetro. Ficamos duas horinhas por lá e foi libertador!

Para mim, o que essa pandemia trouxe, além de toda a vulnerabilidade da vida jogada na nossa cara, foi o cerceamento da liberdade. Eu gosto de estar no meio das minhas pessoas. Gosto de abraço. Gosto de passar o dia sentada no chão papeado e rindo. Gosto de ficar solta. De ficar livre. 

Não poder encontrar, encostar e gargalhar porque tem máscara e distanciamento e a gravidade de um vírus pairando no ar me trava. A tecnologia ajuda nos encontros virtuais, só que não sou a maior fã desse tipo de comunicação. Eu gosto de pegar! Gosto de esbarra, de puxar pela mão, de dividir o copo da cerveja. Mas tenho respeito por esse desconhecido que já deixou tanta tristeza pelo mundo. 

Mantenho a rotina mais ou menos dentro de um mesmo eixo: insulina, trabalho, casa, glicemia, trabalho, um filme, insulina, trabalho, casa, trabalho, glicemia, um vinho... Acho que assim fico com uma sensação de que vai passar mais rápido. 
Por isso, poder respirar o ar da maresia foi tão libertador.

Água com sal na lágrima com o sentimento de alívio por estar lá. 
Água com sal da imensidão do mar para banhar corpo e alma, agradecendo pela oportunidade de conseguir dar essa fugidinha cautelosa.

Sigo me isolando, me protegendo e dando espaço nas ruas à quem não pode ficar em casa. Sei que é o certo e é assim que quero continuar até quando for preciso, torcendo para que esse 'até quando' seja breve.

Respirei.
Recarreguei.
Reconectei.

Eu e o mar.
Eu, o mar e o meu Libre...
O bem do mar é o mar, como bem disse Caymmi.

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