Muito além da judicialização...

Hoje foi realizada na Assembléia Legislativa de São Paulo uma Audiência Pública sobre 'A realidade do tratamento do Diabetes e sua Judicialização'.
A Audiência foi coordenada pela Vanessa Pirolo, representando a ADJ (e os direitos dos diabéticos).

Atualmente os números de processos judiciais relacionados ao diabetes tem crescido. Alguns processos tratam da falta de insumos de modo geral, mas em sua maioria os são referentes à pedidos para adequação do tratamento com o uso dos análogos de insulina.

Em dezembro de 2016 foi aprovada pela CONITEC a inclusão das insulinas análogas de ação rápida nos protocolos de atendimento das unidades do sistema público de saúde. Apesar disso, a discussão sobre a eficácia ou os custos ou a disponibilidade deste tipo de insulina ainda acontece...

Enquanto há um lado que defende que os análogos representam "custos 15 vezes maiores" que "poderiam ser alocados para tratar não uma, mas outras 15 pessoas", alegando que é preciso "programar a vida destas pessoas que vão usar insulina por toda a vida", o outro luta para garantir que estas mesmas pessoas tenham uma vida melhor, mais segura, com menos riscos.

Falou-se em processos sem informações completas, indicando que além da recomendação do endocrinologista responsável, é preciso avaliação de outros especialistas (nutricionistas, educadores físicos, psicólogos...). Pois bem, hoje existe esta realidade no sistema público de saúde? É possível marcar uma consulta com cada um destes profissionais afim de acompanhar o tratamento do diabetes?
Segundo os próprios médicos que atuam na rede pública, isso levaria provavelmente 1 ano!

No Relatório da CONITEC emitido com a recomendação de inclusão dos análogos, o depoimento dos médicos de uma Unidade Básica de Saúde traz uma conclusão que por si só dá sentido a esta briga:

“Os pacientes diabéticos tipo 1, que fizeram uso das insulinas análogas, que monitoramos na Unidade Básica de Saúde, tiveram excelentes resultados, com melhora do perfil glicêmico, melhora na qualidade de vida, diminuição dos quadros de hipoglicemia. Certamente, a incorporação no SUS desses medicamentos será um fator positivo para o tratamento do diabetes, com diminuição a longo prazo das complicações, bem como, possibilitando melhoria na qualidade de vida, e mitigação do impacto nas finanças do SUS, com redução dos riscos de complicações e comorbidades”. 

O conceito de custo-efetividade precisa ser aplicado! Levar em conta somente o preço de uma e outra insulina não é suficiente para estabelecer um tratamento.
Conforme destacado pela Vanessa durante a Audiência, em 2015 foram gastos R$ 92 milhões para tratar complicações do diabetes.

Dotação orçamentária é sim um obstáculo e deve ser considerado, mas a conta está sendo feita da maneira errada! Usar como argumento que um processo de judicialização tira de outras pessoas a oportunidade de ter acesso a medicamentos e tratamentos aos quais têm direito, porque está sendo usado dinheiro da saúde para atender a uma demanda individual é no mínimo cruel.
'Gastar' mais agora com uma insulina que traz melhor qualidade de vida e melhor controle ao paciente vai reduzir o gasto futuro com complicações causadas por grandes variações glicêmicas

A nossa Lei de Licitações (Lei 8.666, de 21 de junho de 1993) é ultrapassada, mas infelizmente é ela que dita as regras para compra dos medicamentos e insumos que são fornecidos para cada brasileiro.
O que fazer então com o que deveria ser garantido?
A Constituição Federal "confere ao Poder Público o dever de garantir, a todos, o direito à saúde, mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao cesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação".

Uma outra argumentação acerca da disponibilização dos análogos de insulina é que nem sempre o paciente adere ao tratamento. Pois bem, é importante lembrar que a adesão ao tratamento não é linear, não depende só da boa vontade do diabético!

Se ele não tem informação correta, ele não vai saber que precisa respeitar os horários das aplicações de insulina.
Se ele não tem informação correta, ele não vai saber interpretar o resultado de uma ponta de dedo no glicosímetro.
Autocuidado não acontece sem orientação prévia.
Sim, reconheço que existem pessoas que mesmo sabendo os problemas que um mau controle podem trazer, deixam os cuidados de lado. Acho uma pena e vou seguir tentando mostrar que cuidado e atenção ao tratamento é a melhor opção... Mas há muitos que sabem os benefícios de um bom cuidado e aderem ao tratamento, fazendo tudo conforme as recomendações médicas. Portanto, apontar o dedo generalizando uma culpa a quem pode estar fragilizado por um diagnóstico (e pelo desconhecido que acompanha esse diagnóstico) e numa consulta de 15 minutos - porque faltam profissionais, falta tempo, falta muito! - da qual ele sai com uma prescrição médica sem maiores esclarecimentos é, novamente, cruel.

Da mesma forma, se ele não tem informação sobre uma nova insulina, que pode trazer tantos benefícios no dia a dia, ele não vai buscar esta alternativa. Aqui entra a questão do acesso à informação. Divulgar e dividir conhecimento é fundamental!

Ninguém luta pelo que não sabe que pode ter!!

Disso tudo, o que mais me chocou e incomodou foi a fala da Dra. Clarice Petramale, afirmando que às vezes, a pessoa que recorre à judicialização só quer um "tratamento com artifícios mais chiques [canetas], quer mais conforto".
Não!!!!
Ter uma insulina que atua sem picos, com menor possibilidade de uma hipoglicemia, com maior liberdade para o paciente, não é luxo. Ter uma agulha 3 vezes menor não é luxo. Ter lancetas mais delicadas não é luxo!
Querer um melhor tratamento não é luxo.
Não oferecer isso à população é (não vou me cansar de repertir) cruel.

Ninguém luta pelo que não sabe que pode ter!!

Se isso não for suficiente, talvez o dado apresentado pela Vanessa ajude: diabetes é a 4ª maior causa de mortes no país.

A Dra. Ione, advogada e Diretora Jurídica atuante na ADJ, fez uma ressalva muito séria: a maioria das pessoas que vai à Associação buscar ajuda já chega com complicações.
Enquanto a educação em diabetes não for considerada como base para o tratamento, nada vai mudar...
Quando estas pessoas tiverem informação e conhecimento adequados, elas vão poder não só evitar esses problemas como, quem sabe, exigir também uma insulina análoga.

O melhor tratamento é direito de todos.
Ninguém luta pelo que não sabe que pode ter!!

Confesso que ao longo das quase 4 horas de Audiência eu fui ficando aflita, 'conversando' e 'argumentando' com as pessoas pela tela do computador, quase acreditando que poderia ser ouvida do lado de lá.
Vibrei percebendo que temos muita gente que ainda luta pelo bem comum. Docinhos, médicos, advogados, representantes do governo... histórias distintas, mas um mesmo objetivo: gente dando 'a cara à tapa' pela defesa de quem convive com o diabetes.
À vocês, minha enorme gratidão e muita admiração.

Do Bruno Helman, um cara bem bacana, doce também, que estava presente na Audiência, faz parte do time do Blue Circle Voices, da IDF, e super me representa, eu pego emprestada uma das maiores considerações feitas naquele plenário: "A gente não vai conseguir mudar nada enquanto não desmitificar o diabetes. Ela é uma doença crônica, mas ela não nos impede de lutar pelo que a gente acredita!"

Para terminar, uso o que foi dito pelo Deputado Gil Lancaster, que estava presidindo a sessão, no encerramento: "nós defendemos a vida".



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